Caramuru
O patriarca da Nação Brasileira
Diogo
Álvares Correia, o Caramuru, nasceu em
Viana do
Castelo, norte de Portugal, por volta de 1490†.
Segundo Jaboatão, Caramuru foi o povoador da Bahia.
Ele chegou à Bahia, por volta de 1509, em uma embarcação, provavelmente francesa, que naufragou provavelmente nos recifes do Rio Vermelho. Os tupinambás lhe deram a alcunha de Caramuru, em referência a um peixe comum no Recôncavo Baiano.
Caramuru era um nobre português, cavaleiro da Casa Real e casado com Paraguaçu, com certidão de batismo de 1528. Entre as belezas dessa história está que seus filhos casaram-se com outros nobres portugueses. Assim, boa parte dos nobres brasileiros eram descendentes dos tupinambás.
Caramuru e Paraguaçu tornaram-se, com o tempo, figuras mitológicas e surgiram versões poéticas sobre suas vidas, principalmente referente aos anos anteriores à criação da Capitania da Bahia, em 1534, quando os textos históricos são escassos.
Caramuru teve papel fundamental na colonização da Bahia. Foi referido como o povoador da Bahia, por Jaboatão e em uma antiga lápide na Igreja da Vitória. Veja também a carta de Dom João III, a ele enviada através de Gramatão Telles, solicitando ajuda para a fundação de Salvador e o estabelecimento do governo geral. Caramuru deu todo apoio a Thomé de Sousa.
A melhor versão sobre as origens de Caramuru, com melhor coerência histórica, é dada por Jaboatão, em seu Novo Orbe Seráfico Brasilico (1761), que transcreve o texto de um manuscrito, existente em sua época, no Convento de São Francisco, em Salvador. Jaboatão acreditava que esse manuscrito foi possivelmente redigido por algum contemporâneo de Caramuru, escrito algum tempo após sua morte.
Parte da transcrição desse manuscrito, por Jaboatão, está a seguir, com grafia atual:
Foi este Diogo Álvares Correa, natural de Vianna, pessoa nobre, e de linhagem conhecida da Província de Entre Douro, e Minho. Era moço, e o desejo, que levava a outros muitos sujeitos da sua qualidade naqueles tempos a sair de suas pátrias, e buscar nas novas conquistas do Reino alguma aventura, o arrastava agora para a da Índia* em companhia de um tio seu, que em certa nau fazia para lá a sua derrota. [...] a sua nau se veio meter na grande boca da Enseada da Bahia, agitada de ventos contrários, onde sobrevindo-lhe outra tempestade, deu com ela, quebrados os mastros, e perdido o rumo, nos baixios, que ficam a leste da sua barra, a que o gentio chamava Mairagúiquiing**; em fronte donde se mete no mar o Rio Vermelho, uma légua distante da ponta, que dizem do Padrão (atual Farol da Barra). Aqui tiveram todos, com a perda da nau, lastimoso naufrágio, do qual os que livraram com vida, não escaparam de serem presas do bárbaro gentio tupinambá, que habitava aquela costa, e ali acudiu, fazendo pilhagem, não só no que a despedaçada nau lançava às praias, muito melhor dos miseráveis naufragados, que recolhidos às suas estacadas, lhes foram servindo de gostoso manjar para repetidos dias. Menos Diogo Álvares Correa, que ou a sua sorte, ou a sua viveza, ou tudo junto com superior destino, lhe administrou para isso meios oportunos. Era moço, esperto, ágil, e de entendimento vivo, e vendo aquela gente mui ocupada na colheita dos vários despojos da perdida nau, introduzido com eles os ajudava a comboiar para onde via que eles os iam acomodando: e aqui começou a fortuna a traçar a sorte de Diogo Álvares. Este os servia cuidadoso, e eles o atendiam alegres.
Havendo já recolhido o gentio às suas estâncias tudo o que do naufrágio entendeu Ihes podia servir, e eles já também mais sossegados nas suas cabanas, tratou Diogo Álvares de preparar algumas daquelas armas; carrega uma, faz tiro com ela a certa presa (seria a alguma ave) dá com ela em terra, e foi tal o alvoroço no incauto gentio, que meninos, e mulheres se punham em fugida, e os maiores em espanto, e admiração, de verem, e ouvirem uma tal coisa, e especialmente o dano, e estrago, que causavam as balas sem serem vistas. Algum gênero de desconfiança alcançou Diogo Álvares do espanto, e temor do gentio, mas ele no melhor modo que pode os deixou satisfeitos, dando-lhes a entender, que aquele gênero de instrumento não fazia danos mais que a inimigos, que com facilidade, e menos perigo podiam ser vencidos com aquelas novas armas, do que com os seus antigos arcos, e flechas.
* É possível que a Índia referida fosse o próprio Brasil, pois muitos europeus ainda acreditavam, nessa época, que a América fosse parte das Índias. Mesmo depois, a América ainda era chamada, por muitos, de Índias Ocidentais. Mas também é possível que Caramuru tenha chegado à Bahia, como escala da viagem, em uma manobra da época, devido à corrente do Golfo da Guiné.
**Outros autores referem-se a Mairiquing ou Maiririquig e que acabou ficando Mariquita, nome de um largo no bairro do Rio Vermelho. Alguns autores atribuem a origem desse nome a uma espécie de corruptela do francês com o tupy.
Em seu livro, Jaboatão demonstrou ter conhecimento de outras versões sobre as origens de Caramuru, a quem chamou de herói, mas preferiu expor a que lhe é era mais sensata. Na continuação da transcrição do manuscrito, Caramuru lutou junto com os índios, abatendo os inimigos com seu arcabuz e ganhando alta reputação. Com o tempo tornou-se o líder dos índios locais.
Diogo Álvares teria sido chamado de Caramuru-Guaçu. Para Jaboatão, esse nome, com significado de moreia grande, teria sido dado por Paraguaçu, que referindo-se a Diogo Álvares, pediu ao pai que não o matasse. Há dúvidas, entretanto, se Paraguaçu estava mesmo no local. Ela seria muito jovem, talvez um bebê. As evidências indicam que Caramuru teve outras mulheres tupinambás antes dela.
É provável que os tupinambás já conhecessem armas de fogo. Em 1501, Gonçalo Coelho negociou com eles a instalação do padrão português, no local do atual Farol da Barra, durante a primeira expedição exploradora. Retornou em 1503 e outras expedições seguiram-se a essas.
Em 1502, Portugal decidiu arrendar a Terra de Santa Cruz para a exploração de pau-brasil e outros recursos. O primeiro contrato foi assinado em 1503 pelo mercador Fernão de Loronha, que também tinha a missão de estabelecer feitorias na América Lusitana.
A partir de 1504, os franceses também se interessaram pelo pau-brasil da Terra de Santa Cruz e passaram a explorar o litoral brasileiro. A França tinha um tratado de aliança e comércio com Portugal, assinado em 1485, mas é possível que os franceses agissem como piratas em terras brasileiras.
Foi nesse contexto, que navegadores, que passavam pela Baía de Todos os Santos, relatavam a presença de um prestativo português, que os índios chamavam de Caramuru. Diogo Álvares aprendeu línguas e costumes dos nativos e teve várias mulheres. Entregava pau-brasil a mercadores franceses e ajudava a reabastecer as embarcações. Com o tempo, passou a dominar o comércio na Baía.
Caramuru seguiu para a França, em 1527, com Catarina Paraguaçu, filha de um chefe tupinambá. Viajaram na mesma embarcação do navegador bretão Jacques Cartier, amigo de Caramuru. Paraguaçu foi batizada, em 30 de julho de 1528, na antiga Catedral de Saint-Malo, com o nome de Katherine du Brézil e casou-se com Caramuru. Seu registro de batismo é o primeiro documento conhecido de um brasileiro. O casal ficou na França por cerca de três anos.
Caramuru retornou à Bahia e prosperou. Tinha o respeito dos índios, de nobres e de reis europeus. Por volta de 1536, construiu a Capela da Graça, a pedido de Paraguaçu.
Em março de 1531, a expedição de Martim Afonso de Sousa aportou na Baía de Todos os Santos e foram recebidos por Caramuru. Martim Afonso de Sousa retornou em 1534, à caminho da Índia, visitou seu amigo Caramuru e participou do casamento de suas filhas na Igreja da Vitória, a primeira igreja de Salvador.
Em 1536, chegou o donatário da Capitania da Bahia, Pereira Coutinho, que doou uma sesmaria a Caramuru, a qual incluía os atuais bairros da Graça, Chame-Chame e parte da Barra. Em 1540, construiu sua casa forte, perto da Capela da Graça, onde morava com sua família. A área também abriga a Fonte da Graça, usada pela família.
No século 16, existia escassez de mulheres brancas no Brasil e os homens que aqui se aventuravam uniam-se frequentemente com as índias. Assim surgiu a aristocracia brasileira, com forte ascendência indígena.
Diogo Dias, neto de Caramuru e Paraguaçu, casou-se com a filha de Garcia d'Ávila, senhor da Casa da Torre (que deu o nome à Praia do Forte). Seus nobres descendentes viveram nessa castelo até o século 19 e foram protagonistas em muito da História do Brasil.
Diogo Álvares Correia faleceu na Bahia, em 05 de outubro de 1557, e sepultado no Mosteiro de Jesus, atual Catedral Basílica. Esses dados foram encontrados por Jaboatão, em um caderno de óbitos da antiga Sé da Bahia, com o seguinte texto (grafia da época):
Aos sinquo dias do mes de Outubro de 1557 falleceo Diogo Alvares Correia, caramurú, da Povoaçaõ do Pereira; foi enterrado no Mosteiro de Jesus. Ficára por seo testamenteiro Joaõ de Figueiredo seo genro; o cura Joaõ Lourenço, a folhas 70.
Caramuru doou aos jesuítas, em testamento, parte de sua fortuna. Deixou grande prole e tornou-se uma lenda. Catarina Paraguaçu faleceu em 1586 e sua Igreja foi doada aos beneditinos.
Mais: Bahia no século 16 ►
Costa do bairro do Rio Vermelho, em Salvador, onde Caramuru teria naufragado, segundo o manuscrito achado por Jaboatão, talvez escrito a não muitos anos após a morte de Caramuru.
Antes de Jaboatão, Rocha Pitta também indicou o Rio Vermelho como o local de naufrágio de Caramuru, em sua Historia da America Portugueza (1730).
É bem possível que Caramuru tenha naufragado aqui. O litoral do Rio Vermelho é um dos mais perigosos de Salvador. Foi onde também naufragou o Galeão Sacramento, em 1668, fato que resultou na instalação do Farol da Barra, o primeiro farol da América.
A Igreja da Graça, fundada por Caramuru e Paraguaçu, cerca de 1536, uma das mais antigas de Salvador.
† As Origens de Caramuru
Sendo uma figura lendária, Caramuru foi prestigiado por vários autores com versões mitológicas sobre suas origens e feitos. Em destaque o Caramurú. Poema Epico do Descubrimento da Bahia, do frei José de Santa Rita Durão, publicado em 1781, e que romantiza toda a vida do patriarca.
Autores históricos importantes, como Jaboatão, Frei Vicente do Salvador, Rocha Pita e Manoel da Nóbrega, todos registraram que ele era de Vianna.
Caramuru era português. O próprio Dom João III registrou em carta que ele era um cavaleiro da Casa Real. Martim Afonso de Sousa confirmou sua nacionalidade portuguesa quando esteve na Bahia, em 1531. Além disso, o manuscrito anônimo, possivelmente do século 16 e revelado por Jaboatão, afirma que Caramuru era "nobre, e de linhagem conhecida da Província de Entre Douro, e Minho".
O ano de nascimento, de 1490, é uma referência aproximada dada por Manoel da Nóbrega, que conheceu pessoalmente Caramuru.
Localização de Viana do Castelo, onde teria nascido Caramuru, na fronteira com a região espanhola da Galícia (ou Galiza).
A antiga província de Entre Douro e Minho, incluía os atuais distritos de Viana do Castelo, Braga e Porto, além de outras áreas vizinhas.
Na Galícia fala-se o galego, uma língua com muita semelhança com o português. O antigo Reino da Galícia incluía a Província de Entre Douro e Minho, até o século 11.
Pero do Campo Tourinho, donatário da Capitania de Porto Seguro, chamou Caramuru de galego, em carta a D. João III, de 28 de julho de 1546, mas se referia à língua, pois, na Vianna da época, falava-se um dialeto galego, já que Vianna fez parte da Galícia no passado. Eis o trecho da dita carta: ...e ora sou informado por um Diogo Álvares, o galego, língua que lá era morador...
O historiador baiano Moniz Bandeira foi categórico nessa questão: "Diogo Álvares nunca se expressou em espanhol nem em galego, o que evidencia que ele era realmente português, oriundo de Viana..." (O Feudo, 2000).
O caramuru, de fato, um peixe da família dos Murenídeos, um tipo de moreia, comumente encontrado no Recôncavo Baiano. Existem algumas variedades de caramuru que habitam o litoral brasileiro, escondendo-se entre rochas e recifes. São predadores e alguns podem chegar a 3,5 metros de comprimento (fonte: Dicionário dos Animais do Brasil, de Rodolpho von Ihering, 1968).
Caramuru representado pelo artista baiano Tito Weidinger Batista, em 1900, tela no acervo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
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Um caramuru pescado por Guilherme Cruz, de Salvador - Bahia (reprodução).
Caramuru e suas belas mulheres em divulgação do filme Caramuru – A Invenção do Brasil (Comédia, 2001). Na foto, os atores Deborah Secco, Selton Mello e Camila Pitanga.
Por Jonildo Bacelar
Caramuru
Mapa base: UE (editado).